Saite da Vida

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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Dinomar ou Dico?

Conheci meu sogro lá pelos cinqüenta e dois anos. Descendente de bisavós imigrantes italianos, sendo que Seu Cristóvan foi parar na cidade de Frutal, Triângulo Mineiro. Não sei quantos filhos seu pai teve, mas presumo que de duas esposas, nasceram talvez uns doze filhos. Conheci quatro delas e mais quatro irmãos três irmãos dele. Dizem que seu Cristóvan era um homem inteligente, sistemático com a criação dos filhos, não esquecendo da educação espiritual. Meu sogro diz que orientava a família na linha Kardecista, isto é a crença na sobrevivência da alma através das múltiplas vidas. Também seus irmãos como ele herdaram o talento musical. Tocavam violão sem nunca terem freqüentado escola de música. Eu o conheci solando Sons de Carrilhões e Odeon. Também certa ocasião passando por Rio Verde (Goiás) encontrei o Tio Antônio com o mesmo repertório. Concluí que era mesmo uma família musical. Os filhos de meu sogro repetem o talento. Entre os parentes um primo mais velho de meu marido, grande tocador de viola, bebia exageradamente, deixando meu sogro precavido com a música, escondendo dos filhos, violas e violões durante a infância e adolescência. Naquela região os tocadores de viola acabavam se envolvendo em bares, bebidas e prostíbulos. Ainda falando de meu sogro, sobre a herança religiosa do Seu Cristóvan, foi abandonada por meu sogro, devido a um histórico de triângulo amoroso entre uma de suas irmãs, com o dono de um Centro Espírita de Frutal, e seu casamento arranjado para esconder a escorregada da irmã, cuja casamento gerou uma família honrada, mas nunca aceita. Este não era um homem sério, capacidade de discernimento que Seu Dico não teve para separar o joio do trigo, podendo conduzir seus filhos nesta linha de fé ou outra qualquer, mesmo sabendo que um representante de Deus falhou. Decepcionou-se, como era um homem sistemático, não se fala mais no assunto. Abandonou então, a música temporariamente e a fé para sempre. Mas não deixou de ensinar aos filhos a retidão de caráter, honestidade, que como esposa de um deles, posso testemunhar, principalmente no tocante a honorários médicos, a não exploração de pacientes, a tolerância e paciência. Seu Cristóvan era um Senhor controlador. Tudo girava em torno dele. Tinha uma fazenda de duzentos alqueires mineiro (48.000 mt). Os filhos viviam e trabalhavam em conjunto, como uma boa família italiana. Quando adolescente, aos treze anos na Rua Vigário da Silva, o avistava, já bem velhinho, ele e seu irmão, no alpendre de sua casa em sentido enviesado. Ele na outra calçada da rua, nesta época longe de me comunicar com a família. Então cada irmão recebeu sessenta alqueires de terra, com excessão das mulheres, que ficaram de fora, seguindo as leis italianas, embora vivessem no Brasil. O fato de comandar tudo fez com que os filhos perdessem as terras recebidas. Pelos menos o meu sogro sempre gostou da terra e até hoje já indo para noventa anos ainda precisa ir para as fazendinhas dos filhos, que inconformados com a perda do pai, trataram de recuperar, cada um seu quinhão, trabalhando em suas profissões. Sempre gostou de arar a terra, construir diques fazendo represas para passagens de água. Eu e ele fomos parceiros no plantio de pomares, tendo hoje muitas árvores espalhadas em terras. Quando seus filhos eram pequenos, até os doze anos o mais velho, ainda tinham a fazendinha. Até esta ocasião os filhos ainda os acompanhavam no trato com a terra, capinando, plantando, seguindo os cuidados com a lida diária. Neste período vieram para a cidade para iniciar o estudo das crianças. Entraram na primeira série um com onze, outro nove e sete anos. Atualmente, não é mais necessário esta mudança de vida, pois tem condução rural que faz o translado para as escolas na cidade. Este é o meu sogro. Homem sério, responsável com a família, educando-os muito bem, protegendo-os de vícios hereditários. Vendeu a fazenda para estudar os filhos, sendo este o grande mérito do pai, segundo meu marido. Porque caráter é obrigação, herança direta, impagável e rotativa. Mas o que ninguém esperava de Seu Dico, ocorreu aos setenta e oito anos. Do dia para a noite deixou de ser Seu Dico, para ser Seu Ademar. Assim, no seco. Deitou à noite como Dico e levantou como Ademar. A Dona Juraci, na primeira chamada da manhã de Dico, teve uma resposta: - a partir de hoje não me chame mais de Dico. Todo mundo atônito. O que que deu nele? Assim aconteceu com os amigos de baralho, no clubinho que criou no fundo de seu quintal. Chegaram os amigos para encontrar o Dico, que respondia como Ademar. Ninguém entendeu nada. Foi aquela gozação, até entender que o homem falava sério. Os homens foram ligeiros, pegaram a mancada rapidamente, e ninguém queria discussão. Mas as mulheres! Estas demoraram para entender a nova demanda. Chegavam perguntando pelo falecido, outras viraram a cara, deixaram de lado a antiga amizade. Algumas mandavam recado, sabe o antigo Dico... Mas ao final de um ano, sem ter opção foram se acostumando, e hoje após doze anos, todos nós o tratamos por Seu Ademar. Tudo foi resultado de uma brincadeira ambígua e cheia de malícia: - O Dico bom! Que pronunciada rapidamente, sai outro som. Homem sério, que impediu os filhos jovenzinhos de cantarem e tocarem violão, que deixou a religião de lado por vacilada de outros, ia permitir um vacilo desta dimensão consigo mesmo? Jamais. Dico nunca mais. Depois de setenta e oito anos a ficha caiu. Pode? Este meu sogro é um bom homem. Aprendi muito com ele. Sabe ficar em silêncio quando é preciso. E no silêncio resgatou sua dignidade, quando imaginou a hipótese de perdê-la, sem muitas explicações. Acho que as mulheres da comunidade nunca entenderam o porquê da drástica mudança.
Sons de Carrilhões